Os filmes biográficos pegam na vida das pessoas e dão-lhes importância lá pelas 3 da manhã.
A importância da vida é uma questão de horas, digo eu.
Mas há quem prefira a inocência da violência enquanto o sono vem e não vem.
Às vezes sou outras pessoas também, não tem mal, faz bem, também sou eu que o digo.
Nos sonhos, tenho propensão para ser o passado com shots milimetricamente enquadrados à Wes Anderson, mas com o esquecimento que me é inerente ao Pulp Fiction.
Tantas citações decoradas e nem por isso memorizo a estrutura do filme.
Narrativa linear ou não-linear? Parece que estava enganado.
Enquanto durmo sou protagonista de um filme biográfico fora de horas.
Acordo com a sensação estranha de que já aqui estive, há insuficientes horas de sono,
a ver o tempo de alguém partido aos bocados.
Odeio cinemas com intervalo — dá a sensação de que tenho de acordar e ir para o trabalho.
O espiritualismo moderno do balde de pipocas:
vazio provoca arrependimento;
cheio é como a fé para muitos, é preciso ter —
a natureza das coisas, a pipoca.
crunch crunch crunch crunch
intervalo
crunch crunch crunch crunch
alguém grita fora da sala
Vejo mãos e dentes a suplicar igualdade.
Vejo mãos e dentes a exigir igualdade.
Vejo mãos e dentes a reclamar igualdade.
Vejo mãos e dentes e mais mãos e dentes do que lugares sentados.
Vejo mãos e dentes e mais mãos e dentes e ainda,
ainda é um filme.
Ouvem-se gritos: acordai.
Reza a lenda que por trás da tela dos cinemas há um Homem a dormir, sou eu que o digo.
Nem quero imaginar o que será para ele sonhar até ao fim e perceber que o filme acabou.
Uma vez sonhei — não como o King mas ainda como uma criança — que o meu pai me dera um Game Boy Color com o Pokémon Amarelo. Assim que comecei a abrir a caixa do Game Boy, acordei.
Gosto de pensar que todos os dias a caixa se abre mais um pouco.
View fullsize
